Há alguns processualistas no Brasil cujas obras são o espírito dorsal de nossa escola processual.
Hoje, pesquisando para ver se encontrava uma edição atualizada de seu livro, achei um tesouro sem igual!
Um texto escrito pelo próprio Barbosa Moreira sobre sua vida de estudante, formação em direito e carreira profissional!
É longo, mas quem ama o Direito, quando acabar, vai querer ler de novo!
Barbosa Moreira não foi um simples doutrinador, foi um visionário, cujas ideias, expostas há décadas, são materializadas nos dias de hoje, no novo Código de Processo Civil!
"José Carlos Barbosa Moreira
Meu nome
completo é José Carlos Barbosa Moreira. Nasci no Rio de Janeiro, em 17 de setembro de
1931. Meus pais eram ambos professores. Chamavam-se Antonio de Souza Moreira e Zenaide de
Barbosa Moreira. Ele era professor de Matemática, lecionou muito tempo na então Escola
Normal, depois chamada Instituto de Educação. Minha mãe era professora primária da
prefeitura. Lecionou em várias escolas públicas. Depois, meus pais tiveram um colégio
particular, que eles mesmos dirigiam; chamava-se Instituto Guanabara, situado na rua Mariz
e Barros, e foi lá que dei as minhas primeiras aulas, no que era então chamado de Curso
de Admissão ao Ginasial.
Eu sou cria da zona norte. Nasci na Tijuca (naquele tempo
nascia-se em casa), na rua Pareto, perto da praça Saenz Peña. E até me casar, em 1959,
morei sempre naquela região, em várias ruas: Professor Gabizo, avenida Trapicheiro,
Mariz e Barros, avenida Melo Mattos. A casa da avenida Melo Mattos era situada bem
defronte ao lugar onde eu fiz o meu curso primário, embora, na época, eu não residisse
ali. A escola se chamava Francisco Cabrita. De lá, eu saí para casar. Fui morar no
Flamengo, depois em Copacabana.
Meu curso primário foi feito na Escola Francisco Cabrita, na
avenida Melo Mattos. E o meu curso secundário, como se dizia na época, também foi feito
em colégio público, o Colégio Militar, na rua São Francisco Xavier. Ali, eu fiz o
curso ginasial e, depois, o curso científico, porque o Colégio Militar não tinha curso
clássico. Naquela época, havia essa divisão. Terminado o curso ginasial, que era de
quatro anos, o estudante escolhia entre o curso científico e o curso clássico. Embora a
minha tendência fosse mais para o curso clássico, como não o havia no colégio, eu fiz
o científico. Terminei os três anos de científico lá. Depois, fiz o meu vestibular
para a então Faculdade Nacional de Direito.
O interesse pelo Direito foi um pouco circunstancial, porque,
na verdade, eu tinha, naquela época, a intenção de ser diplomata. Para isso, era
preciso fazer o curso do Instituto Rio Branco, que ainda hoje existe e forma diplomatas.
Sucede que eu não tinha a idade mínima para ingressar nesse curso. Terminei o ginasial
com 17 anos para 18, e não podia fazer concurso para o Instituto Rio Branco diretamente,
porque não tinha idade suficiente. Então, nesse meio tempo, resolvi tentar o curso da
Faculdade de Direito, na qual eu passaria dois anos e, depois, tentaria o concurso para o
Rio Branco. Ocorre que dois fatos mudaram o meu rumo. O primeiro foi o falecimento do meu
pai, em 1950, quando eu estava ainda no primeiro ano do curso de Direito. De certa
maneira, achei que não era muito acertado começar uma carreira que me levaria, dentro de
pouco tempo, para o exterior. Então preferi ficar, preferi uma atividade que me
permitisse ficar no Brasil, para ajudar a minha mãe, que dirigia o colégio. Achei que
para mim era mais acertado ficar junto de minha mãe. Mas houve outro fator muito
importante: ao começar o curso de Direito, logo nos primeiros tempos, eu verifiquei que
aquela é que era a minha verdadeira vocação. Apaixonei-me pelo Direito, por assim
dizer. Não sei se a paixão foi correspondida... Mas, de toda maneira, ao lado daquele
outro fato ocorreu este, que deve ter sido o principal. Eu me convenci de que havia
encontrado a minha praia. E aí fiquei, continuei o curso de Direito, por cinco anos.
Entrei na faculdade em 1950, justamente o ano do falecimento
do meu pai. E formei-me em fins de 1954. O fato é que, desde o início, o curso me
interessou muito. Não quero dizer que todos os professores fossem excelentes. Naquela
época, como hoje, havia professores melhores e professores menos bons. Eu tive alguns,
francamente, que deixaram muito a desejar. E tive outros que corresponderam à minha
expectativa e até a superaram. Eu diria que, no começo, o meu interesse se voltou mais
para o campo penal. Tanto assim que eu fiz depois o curso de doutorado - naquela época
não havia mestrado, era curso de doutorado -, na área de Direito Penal. E fui até
assistente do professor Hélio Tornaghi, que era professor de uma matéria então
denominada Direito Judiciário Penal. Hoje, se diria Direito Processual Penal. Fui
assistente dele durante dois anos, na graduação da universidade, na própria faculdade
em que eu me havia formado.
Minha formatura foi em dezembro de 1954. Lembro-me bastante
bem da formatura. Até porque eu fui escolhido para prestar o compromisso pela turma.
Naquela época,o compromisso era prestado em latim. E eu ainda sei de cor... O compromisso
era o seguinte: “Ego promitto me, semper principiis honestatis inhaerentem, mei
gradus muneribus perfuncturum, atque operam meam, in jure patrocinando, justitia exequenda
et bonis moribus praecipiendis, nunquam causae humanitatis defuturam”.
Traduzindo: “Prometo que, no exercício das funções do meu grau, estarei sempre
ligado às regras da honestidade, e que a minha atuação, no patrocínio do direito, na
realização da justiça e na preceituação dos bons princípios, nunca faltará à causa
da humanidade...”. É mais ou menos isso; talvez não literalmente, mas o sentido é
esse. A formatura foi no Teatro Municipal. O nosso paraninfo foi o professor Castro
Rebello, de Direito Comercial. Eu me lembro bastante bem, na cerimônia de formatura, da
presença de minha mãe em uma frisa. Depois, deixou-se de fazer formatura lá, o que até
foi uma medida, a meu ver, correta. O Teatro Municipal se prestava a finalidades para as
quais ele não havia sido feito. Até baile de carnaval se fazia lá, com grandes danos
para a construção. Minha formatura teve um baile. Agora não estou, exatamente,
recordando onde foi. Mas que teve, teve. Naquela época havia missa, colação de grau e
baile de formatura.
Eu nunca me envolvi muito na atividade, digamos, política,
estudantil. Havia, era até bastante ativa, naquela época, na faculdade de Direito. 1950
até 1954 correspondeu, mais ou menos, ao período em que o Getúlio foi presidente. E a
faculdade era bastante politizada, o corpo discente era muito dividido entre aquilo ao que
se chamava, na época, com denominações hoje,um pouco desgastadas, de direita e
esquerda, se quiser, para nos entendermos. Mas eu nunca me envolvi diretamente nessa
disputa política. Havia até estudantes que preferiam ficar marcando passo na faculdade,
por mais tempo que o necessário para fazer o curso, a fim de participar dessa luta
política interna. Havia estudantes que preferiam isso, dedicavam-se muito mais a esse
tipo de atividade do que propriamente ao estudo do Direito. Não foi o meu caso. Eu tinha
as minhas convicções políticas, mas nunca me envolvi diretamente, nunca me candidatei a
nenhum cargo eletivo de centro acadêmico. Havia o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira,
conhecido pelas iniciais CACO. E havia muita disputa... Havia eleições que de vez em
quando até geravam enfrentamentos físicos, pancadaria. Houve episódios assim. Eu
votava, mas nunca me candidatei a cargo nenhum, e nem me filiei a nenhum dos chamados
“partidos” em que se dividia o eleitorado da faculdade. Como depois, também, na
minha vida afora, jamais me filiei a partido nenhum, embora exerça os meus direitos de
cidadão.
Eu era um bom aluno. Lia muito, gostava das matérias. Quase
todas me agradavam. Como mencionei há pouco, no princípio, as matérias ligadas ao
terreno penal, que costumam ser o primeiro amor de todo estudante de Direito. São
assuntos mais dramáticos, mais empolgantes. E tive um bom professor de Direito Penal, o
professor Oscar Stevenson. E, depois, de Processo Penal, o professor Hélio Tornaghi. De
modo que, nessa área, tive mais sorte do que em outras. E dediquei-me, durante algum
tempo, a isso. Tanto que, repito, fiz o curso de doutorado em Direito Penal. Depois, por
várias circunstâncias, acabei mudando para o Direito Processual e para o Direito
Processual Civil. Mas essa já é uma outra história. Essa já não é do meu tempo de
acadêmico, de estudante de Direito. Eu fiz estágio em uma Vara Criminal, junto ao
Ministério Público, junto a um órgão do Ministério Público que atuava naquela Vara
Criminal. Nada de muito sensacional. Depois de formado, passei a advogar no escritório de
um professor da faculdade, de quem eu não havia sido aluno, mas que era conhecido da
minha família. Chamava-se Clóvis Paulo da Rocha. Ele era professor de Direito Civil.
Comecei a advogar no escritório dele, o que fiz durante vários anos.
E, em 1962, abriu-se aqui, no então Estado da Guanabara, o
primeiro concurso para procurador do estado, que era um cargo, na época, considerado
muito bom. De fato, era bom. E, até então, as vagas eram preenchidas por critérios
políticos. Era indicação de alguém. O cargo de procurador do Estado, dizem, até foi
objeto de um presente de casamento a um advogado que se havia formado recentemente; ia se
casar e recebeu esse cargo de presente. O então Distrito Federal, que era sede do
governo, transformou-se em Estado da Guanabara. O primeiro governador foi Carlos Lacerda,
que foi quem instituiu o sistema de concurso para provimento dos cargos de procurador do
estado. Fiz o concurso e tive a sorte de ser classificado em 1º lugar. Ingressei na
Procuradoria do Estado, onde trabalhei cerca de 15 anos, com muito gosto. Era um órgão
de muito bom nível, porque se passou a entrar só por concurso; salvo alguns, que
remanesceram do sistema anterior, a grande maioria dos procuradores do Estado era formada
por pessoas concursadas. E o concurso era sério, muito sério. De modo que o nível era
alto. Trabalhava-se bastante, mas o ambiente era bom. E posso dizer que o quadro de
procuradores era de excelente qualidade. O doutor Arnoldo Wald, por exemplo, foi aprovado
no mesmo concurso que eu, ingressamos juntos na Procuradoria do Estado.
Em 1962 eu já tinha o doutorado de Direito Penal. O curso
era de dois anos, eu o fiz logo em seguida à minha colação de grau como bacharel. Fiz
na Nacional, entrei em 1959, portanto, fiz até 60, 61. Mas não cheguei a fazer a tese.
Naquela época, eu estava mais interessado ainda no Direito Penal. Fiz o curso de
doutorado, mas não cheguei a defender a tese. O meu título de doutor, eu o obtive por
outro meio. De acordo com a legislação da época, o candidato que fosse aprovado em
concurso para livre-docente, coisa que hoje em dia, nem existe mais - que eu saiba, só na
Faculdade de Direito da USP, lá ainda existe. Eu mesmo tenho participado de bancas
examinadoras, várias, para livre-docente. Aqui no Rio, não sei se a UERJ, atualmente,
conserva. Houve tempo em que tinha . Enfim, eu mesmo fiz concurso, primeiro para
livre-docente, depois para titular. Mas, quando a pessoa era aprovada em concurso para
livre-docente, automaticamente adquiria o título de doutor em Direito. Era uma
conseqüência automática da aprovação no concurso para livre-docente. Então, o meu
título de doutor em Direito não foi adquirido no curso de doutorado, onde não cheguei a
defender tese.
E, depois, mudei de rumo: dentro do Direito passei a estudar
mais, e mais tarde a lecionar, Direito Processual Civil, e não Penal. Antes de lecionar
na UERJ eu fiz dois concursos de livre docente. O primeiro foi feito na Faculdade
Nacional, em 1967, à qual eu estava mais ligado afetivamente, visto que lá me
bacharelara. Fiz este concurso para livre-docente em 1967. Depois, cheguei à conclusão
de que lá as perspectivas de minha carreira acadêmica não eram muito promissoras,
porque a faculdade realizava com muito pouca freqüência concursos para titular. Embora
houvesse vaga aberta, demoravam muito a realizar o concurso. Então, fui fazer a minha
segunda livre-docência na então Universidade do Estado da Guanabara, onde me parecia que
o acesso à titular era mais provável de realizar-se em menos tempo. E, realmente, assim
aconteceu. Porque na Faculdade Nacional de Direito, jamais consegui que se realizasse o
concurso para titular, embora tivesse pleiteado, requerido, várias vezes, mas não
acontecia. Na Faculdade da então UEG, também não foi rápido. Porque fiz a minha
livre-docência em 1968, e só vim a fazer concurso para titular dez anos depois, em 1978.
Havia muita burocracia. E as coisas custavam a acontecer, mas eu fiquei, logo, na
condição de titular interino. Porque havia vaga, o cargo de titular estava vago. Então,
eu fui provido, como livre-docente, no cargo de titular interino. E assim fiquei durante
dez anos. Só em 1978, quando já era desembargador, é que fiz finalmente o meu concurso
para titular.
O concurso de livre-docência era um concurso puxado. Ele
tinha as mesmas provas de um concurso para titular. O candidato tinha que apresentar uma
tese. Ele era argüido por cinco professores. Havia uma prova escrita que durava seis
horas, sobre ponto sorteado na hora, dentre os do programa da disciplina. Então era
preciso, no fim de seis horas, apresentar um produto que justificasse tanto tempo. O meu
ponto, se não me engano, foi ‘revelia’. E havia uma prova chamada didática, em
que se tinha que dar uma aula, entre 50 e 60 minutos, sobre um ponto também sorteado 24
horas antes, para o candidato preparar a aula. Os meus temas foram, na Faculdade Nacional
de Direito, ‘competência’; e na Faculdade de Direito da então UEG,
‘sentença’. Esses foram os temas das minhas provas didáticas. Na Faculdade
Nacional de Direito, estavam na banca, entre outros, o professor Haroldo Valadão, o
professor Ferreira de Souza, o professor Pedro Palmeira, que era um dos catedráticos da
matéria Processo Civil. Na Faculdade de Direito da UEG, o professor Pedro Palmeira, de
novo, me examinou. Ele também era professor da UEG. O o nome mais conhecido talvez seja o
do professor Alfredo Buzaid, que foi ministro da Justiça e o autor do anteprojeto que deu
origem ao Código de Processo Civil brasileiro. O Professor Hamilton Moraes e Barros era
outro membro dessa banca; também era titular de Processo Civil na Faculdade de Direito da
UEG.
Comecei a carreira docente dando aulas num curso que era
considerado primário. Eu me lembro que até fiz uma prova para obter registro de
professor primário particular. E essa prova foi feita diante de uma turma do primeiro ano
primário, à qual tive de dar uma aula sobre noção de metade. Lembro-me de que levei
uma maçã, que parti ao meio, entre outras coisas. A influência familiar foi,
certamente, muito intensa. Ambos os pais eram professores. Eu tinha, por assim dizer, o
magistério, como se costumava falar, na massa do sangue. E sempre gostei muito de dar
aula. O exercício do magistério foi, para mim, sempre, uma atividade extremamente
gratificante. Em todos os níveis em que lecionei. Lecionei em curso primário, lecionei
em curso secundário e lecionei, décadas a fio, em curso superior, de bacharelado.
Depois, eu dei um curso no mestrado da UERJ, há pouco tempo atrás. Mas essa foi uma
experiência, embora agradável, episódica. O de que eu gostava mesmo na faculdade era do
curso de bacharelado. Porque eu pegava estudantes mais jovens. E sentia que eu podia
influir mais na formação deles, naquela época, do que posteriormente. O aluno já
formado, que vai fazer o curso de mestrado ou doutorado, já está, digamos assim, com a
cabeça feita. Ao passo que os rapazes e moças de 18, 19 anos, dos quais eu ia sendo
professor, durante dois, três anos, eles estavam ainda muito maleáveis. Eu me sentia
mais importante na formação deles do que nos cursos de pós-graduação. Eu achava que
influía mais.
Lembro-me do primeiro dia de aula na UEG. Não tenho
recordação específica de algum sentimento novo, original. Porque antes de lecionar lá,
eu lecionei em outras faculdades de Direito, nesse intervalo entre o meu concurso para
procurador do Estado, que terminou em 63, e a minha livre docência na UEG, que foi cinco
anos depois. Nesse meio tempo, eu lecionei na PUC, lecionei na Faculdade Cândido Mendes.
Então, não foi uma estréia propriamente, no magistério superior, a minha aula na
Universidade do Estado da Guanabara. Foi a continuação do que eu já vinha fazendo.
Naturalmente, em circunstâncias mais interessantes, porque aí eu tinha um cargo. Não
era professor contratado, temporário. Em relação ao perfil dos alunos, a UEG, eu diria
que era mais democrática. O corpo discente, na PUC, é, geralmente, de rapazes e moças
de classe média alta. Eram pessoas de maior poder aquisitivo. Embora muita gente
qualificada se dirigisse à Universidade do Estado da Guanabara, depois UERJ, porque era
tido, esse curso, como o melhor curso de graduação em Direito no Rio de Janeiro. A meu
ver, merecidamente.
As minhas aulas sempre foram mais ou menos semelhantes o
tempo todo. Eu tinha uma relação, graças a Deus, até afetuosa com os alunos. Eu fazia
questão de conhecê-los como pessoas, não como entidades abstratas. Então, eu me
esforçava por guardar os nomes de todos. Com o correr do tempo, eu sabia perfeitamente os
nomes de todos os alunos que costumavam freqüentar as aulas - que eram a maioria, pelo
menos no meu caso. E sabia perfeitamente dos namoros que se travavam na turma. Coisa muito
freqüente, porque acontecia com bastante freqüência que um rapaz e uma moça se
enamorassem reciprocamente durante o curso. E até fui padrinho de casamento de vários
alunos. Posso citar o professor Carlos Roberto Siqueira Castro. Ele foi um excelente
aluno, e continuamos amigos pela vida afora. Valorizava muito e continuo a valorizar este
vínculo afetivo que, ao meu ver, deve existir entre professor e aluno. Não um mero
vínculo funcional, mas um vínculo afetivo, uma relação afetiva. E, graças a Deus,
tive sempre a sorte de fazer, segundo creio, da imensa maioria dos meus alunos, amigos. É
muito freqüente que eu, em determinadas circunstâncias, chegue a um lugar e logo seja
saudado por um ex-aluno que me vem cumprimentar, muito cordialmente. Isso tem me valido
várias facilidades... Porque, às vezes, se trata de um órgão em que eu tenho de cuidar
de algum assunto; e, quando encontro um ex-aluno, é sempre uma porta que se abre. Na
praia, por exemplo, não é raro que eu esteja caminhando e, de repente, me apareça um
ex-aluno, ou uma ex-aluna. Às vezes, eu até, em um primeiro momento, não me lembro do
nome. Durante o curso eu sabia, mas foram décadas, foram turmas e turmas e turmas que
passaram pelas minhas salas de aula.
Evidentemente, eu não posso lembrar-me incontinenti de todos
os nomes. Até porque as pessoas mudam com o tempo, não é? Principalmente as moças,
porque basta um penteado diferente para dar um aspecto completamente diverso daquele com
que eu estava acostumado, quando ela tinha 19 ou 20 anos... Às vezes, até em ocasiões
em que eu estou um pouco menos alegre, não é? Todos nós temos os nossos momentos mais
tristes, de alguma depressão. Hoje então, não faltam motivos para nós nos sentirmos
deprimidos, infelizmente. Não só no país, como no mundo todo. Então, às vezes,
acontece que eu estou caminhando um pouco melancólico e, de repente, aparece um ex-aluno
e me diz coisas tão agradáveis que massageiam o meu ego e me levantam o ânimo. Isso é
muito comum. Eu me encontrava com os alunos fora das salas de aula. Já na própria sala
de aula não havia entre mim e os alunos uma distância formal, como a que em geral havia
quando eu fui estudante. A distância era muito grande; o professor ficava colocado em um
plano muito diferente. Era visto como uma eminência, da qual o aluno não tinha muita
liberdade de aproximar-se. Eu sempre procurei não adotar essa postura e dar aos meus
alunos um tipo de tratamento e de relação diferente. Sempre achei que não é pela
atitude superior que o professor se impõe. O professor impõe-se pelos méritos que
tenha. E desses méritos, o juiz é o aluno, os juízes são os alunos. Esses méritos
não precisam implicar uma atitude distante.
O professor pode, perfeitamente, dialogar com os alunos de
modo informal, como sempre dialoguei com os meus alunos; dar aos alunos uma liberdade de
manifestação grande, da qual jamais me arrependi e da qual nunca abusaram. E sempre me
demonstraram respeito. Mas não aquele respeito formal, engomado, de outro tempo. Era uma
relação muito franca, muito cordial. Os alunos tinham toda a liberdade de me fazer
perguntas e, como disse, eu me interessava pela vida deles. Não só pela vida acadêmica,
pela vida deles em geral, até pela vida afetiva. Muitos me procuravam em certos momentos
de dúvida, de incerteza, procuravam para pedir conselhos, e tudo isso sempre me deu
grande satisfação. Acho que boa parte das melhores horas da minha vida se passaram ou em
sala de aula, ou em reunião com alunos ou ex-alunos. Algumas das turmas costumam até
reunir-se todo ano para comemorar o aniversário de formatura. Sempre me convidam e eu
sempre vou, nunca faltei. E nos revemos sempre com grande satisfação, com grande
alegria.
Em minha casa, houve vários casos de grupos de estudo. Isso
aconteceu em diferentes momentos. Chega uma hora em que os ex-alunos ficam muito ocupados
profissionalmente, e não se pode querer que eles compareçam pontualmente naquele dia e
naquela hora. De modo que os grupos se fazem e se desfazem, ao longo do tempo. Casam,
depois têm outro tipo de responsabilidade, exercem profissões. Alguns saem do Rio ou
vão ocupar cargos que preenchem totalmente o seu tempo e assim vai. Houve mais de um
grupo que se manteve durante vários anos. Não havia um tema específico, era um pouco o
interesse deles que determinava isso. Eu não falava todo o tempo, nem falava em todas as
reuniões. Eu pedia que os participantes do grupo trouxessem suas observações sobre
determinado tema que, muitas vezes, era escolhido por eles mesmo. Isso subsiste até hoje.
Tenho, ainda hoje, um grupo da última turma em que lecionei, que se reúne quase toda
segunda-feira e que funciona assim. Às vezes, falo sobre determinado assunto palpitante;
quando surge uma lei nova sobre matéria processual, a gente comenta. E eles podem,
também, escolher e escolhem de acordo com suas preferências e afinidades; eles escolhem
temas e trazem as suas palestras. E depois a gente comenta. As reuniões são na minha
casa. Hoje em dia, são em um outro apartamento que eu tenho, no edificio defronte de onde
estamos realizando esta entrevista, onde eu faço uma extensão da biblioteca, e tem uma
sala que é destinada e utilizada para essa finalidade.
Para ser um bom professor... a primeira exigência é que
você goste de ser professor. Aliás, qualquer atividade só se faz bem, quando ela
proporciona satisfação a quem a realiza. O professor que dá aula de má vontade, não
pode ser um bom professor jamais. Então, acho que a primeira condição é essa, gostar
de aula, gostar de ser professor. Aliás, as minhas várias atividades, eu tive prazer em
exercê-las. Tanto procurador do Estado, depois, magistrado; mas aquela que mais
satisfação me deu foi a atividade docente. Tive alguns aborrecimentos na faculdade, com
aspectos administrativos que me desagradavam. Nunca tive aborrecimento nenhum com aluno
nenhum. O tipo de relação entre aluno e professor, eu acho que mudou. Hoje já é menos
formal. No meu caso, a relação com os alunos jamais foi muito formal, porque eu a
colocava desde logo em um outro plano. Desde a década de 60.
Agora, estou aposentado. Mas, no grupo de estudos que eu
oriento, a informalidade é total. Mesmo na classe, na turma da faculdade, a minha
relação sempre foi menos formal do que aquela que tinha existido entre mim e os meus
professores, e também, menos formal do que aquela que existia entre a maioria dos
professores, mesmo meus contemporâneos, e os alunos. Acho que a minha relação com os
alunos sempre foi menos formal. Na aula, havia uma parte expositiva, sem dúvida. Acho
que, para começo de conversa, é preciso que o professor faça uma exposição porque
isso já fornece ao aluno que está atento, e eu, em geral, conseguia despertar a
atenção dos estudantes, uma idéia geral, uma visão panorâmica daquela matéria.
Agora, havia muito diálogo e eu exigia que eles participassem. De que maneira? De várias
maneiras. Por exemplo, trouxessem as leis, os códigos e, na hora que era preciso referir
uma disposição legal, eu sempre escalava um aluno para ler. Não era eu que lia. Era o
aluno que lia. E, no começo, às vezes, eu dizia: “você não está entendendo bem o
que você está lendo”, “você não está obedecendo à pontuação; repare que,
nas vírgulas, você tem que fazer uma pequena causa. Senão, isso não faz sentido”.
Havia muita gente que não sabia ler, não tinha o hábito de ler em voz alta. Como
continua a acontecer em vários setores. Eu vou à missa, por exemplo; aí vai uma senhora
para ler a epístola, e verifica-se, desde logo, que ela não está entendendo nada
daquilo, pelo tom com que lê; a entonação da leitura mostra que ela não está
acompanhando a substância do que está lendo. Está lendo automaticamente, como quem lê
uma bula de remédio.
Eu fazia questão de que eles lessem o Código. Todo o mundo
tinha que trazer o Código e ler os dispositivos sobre os quais versava o tema da aula. E
eu sempre aberto a perguntas, a pedidos de repetição, a pedidos de esclarecimento. A
prova era séria, era para valer. Eu formulava as questões e ficava na sala o tempo todo
fiscalizando. Não acredito que houvesse cola... Os alunos sabem quando a matéria está
sendo dada com seriedade e aí correspondem. Eu via que eles estudavam. Porque, primeiro,
achavam que valia a pena, porque a matéria era importante para a atividade profissional.
Segundo, achavam que o curso estava sendo dado com seriedade. Sempre achei que dei meus
cursos com seriedade. Então, os alunos percebem isso e correspondem. Já reprovei alunos,
nunca tive problema nenhum. Na faculdade da UERJ, eu, a princípio, lecionava dois anos
seguidos à mesma turma. Depois, passei a dar três anos seguidos: Teoria Geral do
Processo, no terceiro ano, depois dois anos de Processo Civil. No fim de três anos,
éramos íntimos. Sabíamos tudo reciprocamente. Então, no começo, no primeiro ano do
primeiro semestre é que agia com maior rigor, porque aí quem não estava em condições
de acompanhar ou quem não tinha vontade, já ficava para trás. Eu fazia uma limpeza de
área, não é? Quem não estivesse interessado ou não estivesse em condições de
acompanhar, já ficava.
Rígido, jamais fui. Mas exigente, sim. Sempre fui
considerado exigente. Até posso acrescentar que eu fazia muita questão de que as
respostas fossem redigidas em bom português. Eu dizia para os alunos: “levo em conta
na avaliação da prova, não apenas o conhecimento jurídico, mas também a correção da
linguagem. Porque vocês vão ser advogados, juízes, promotores, etc. Em todas essas
profissões, o único instrumento que vocês vão usar é a linguagem, escrita ou falada.
E precisam dominá-la bem. O profissional que não domina o seu instrumento essencial de
trabalho não pode chegar a bom resultado”. E eles se esforçavam. E eu dizia:
“não me venham com frases telegráficas. A frase tem de ter sujeito, verbo, o verbo
concordando com o sujeito, etc.”. São quase 30 anos de UERJ. Tive bons alunos e até
excelentes alunos em todas as turmas. Talvez tenha havido certo declínio nesse terreno,
no domínio da linguagem. Hoje em dia, há menos leitura, menos aprendizado de gramática.
Houve um tempo em que se tornou fora de moda ensinar regras de gramática. Então, a gente
vê, em artigos de jornais, sujeito para um lado, verbo para o outro. Eu dizia:
“olhe, de acordo com a Constituição, o português é a língua oficial do Brasil.
Então, se você ofende a língua portuguesa, ofende a Constituição. E um aluno de
Direito não pode ofender a Constituição”. E eles levavam a sério. Porque, logo na
primeira prova, eles viam que eu nunca prometi nada que não pudesse cumprir ou que não
tivesse a intenção de cumprir. Minhas promessas eram sempre feitas para valer.
Funcionavam.
Em todas as turmas em que lecionei, na Faculdade de Direito
da UEG, depois UERJ, ou fui patrono ou fui paraninfo. Uma das duas coisas eu sempre fui.
Significava uma alegria muito grande, porque eu não fazia campanha eleitoral. Jamais
proferi qualquer palavra ou fiz qualquer insinuação de que eu gostaria de ser eleito,
isso ou aquilo. Jamais. E jamais abdiquei das minhas exigências, mesmo no último ano do
curso, em que alguns relaxavam, afrouxavam. Eu não, mantinha o mesmo nível de
exigência. Não obstante, todas as trmas me elegeram paraninfo ou patrono. É um motivo
de grande satisfação para mim. Um certo orgulho, até. E depois que eu me aposentei,
alguns dos meus ex-alunos me fizeram uma homenagem lá. Inclusive o Paulo Cezar foi orador
nessa, digamos, cerimônia. Embora não fosse uma coisa solene, não é? Mas foi uma
homenagem que me foi prestada pelos alunos. Fiz um discurso, não no sentido engomado da
palavra. Mas, falei, naturalmente agradecendo aquela homenagem. E, depois mesmo disso, há
pouco tempo, estudantes que nem sequer foram meus alunos - que foram, provavelmente,
alunos de ex-alunos meus, porque eu tenho vários que estão lecionando lá, Paulo Cezar,
Carlos Roberto Siqueira Castro, Luiz Fux, Heloísa Helena, todos esses meus ex-alunos têm
agora os seus alunos - fizeram uma homenagem, um simpósio em minha homenagem, convidaram
professores... Vieram professores de várias faculdades, inclusive de São Paulo, e até
um da Argentina. Isso constitui motivo de grande alegria, de grande satisfação. Os
juízes dos professores são os alunos. Esses, que não foram meus alunos, provavelmente
me conhecem através dos meus ex-alunos que foram professores deles.
Eu vivo escrevendo. Até porque os meus livros precisam ser
atualizados de vez em quando. Aliás, com certa freqüência, porque quase todo ano saem
leis novas a respeito dos assuntos sobre os quais eu escrevo. Então, preciso atualizar,
fazer novas edições. Para escrever, não tenho um procedimento rigoroso, padrão, ao
qual eu obedeça sempre. Não. Uma vez me perguntaram: “quantas horas você estuda
por dia?” Não sei dizer, depende. Há dias em que não estudo em momento nenhum. Há
outros em que estudo várias horas. Isso não pode ser reduzido a um padrão assim,
milimetrado, geometricamente determinado. Depende da disposição das pessoas e das
circunstâncias. Há dias em que há muita interferência, e não se consegue ficar
tranqüilo muito tempo; outros dias em que isso é possível. Então, a variação é
enorme de um dia para o outro, de uma época para a outra. Não há uma regra. A minha
aula de 30 anos atrás não era igual à aula de 30 anos depois. A temática geral era
mais ou menos a mesma. Só que a abordagem tinha, evidentemente, de ir mudando com o
tempo. Apareciam novas obras doutrinárias, entravam em vigor novas leis, o próprio
ambiente científico ia sofrendo transformações. E tudo isso, evidentemente, se refletia
nas minhas aulas.
Eu não podia dar em 2000 a mesma aula que dava em 1960 e
tantos. É claro que era diferente. A temática não mudava muito. O que mudava era,
repito, a abordagem, a maneira de enfrentar essa temática. E claro que novos assuntos iam
aparecendo também, evidentemente. Mas os fundamentos básicos da disciplina permaneceram,
subsistiram com o tempo. Há muita coisa nova. A gente tem muito trabalho para tentar
manter-se atualizado. Porque é preciso levar em conta o que se está passando não apenas
no Brasil, mas em outros países; conhecer, pelo menos, as coisas mais importantes da
literatura estrangeira a respeito da matéria. Isso eu sempre procurei fazer, sempre
procurei atualizar-me, sempre procurei estar a par do que vai acontecendo. Tenho muitas
fontes de informação. Mesmo independentemente da internet, tenho muitas fontes de
informação porque tenho amigos em muitos países. Tanto que, quando viajo, geralmente
tenho muita “mordomia”, porque me convidam para jantar, já me hospedei em casa
de amigos na Europa; já os hospedei também aqui no Rio.
Uso a Internet. Não entusiasticamente. A minha relação com
o computador, e com tudo o que se refere a ele, é um pouco litigiosa. Não tenho muito
jeito para lidar com aparelhos, com máquinas. E acho que o computador deixa ainda muito a
desejar. É muito aleatório, de repente ele dá certos “faniquitos”,
“fricotes” inesperados. Mas eu uso a internet como instrumento de pesquisa,
digamos assim, moderadamente. Edito textos no computador. Para ler depois o que escrevi,
eu imprimo. Porque não acho agradável ler na telinha. E estou acostumado a ler em papel,
texto impresso em papel. E, quando leio o texto impresso em papel, invariavelmente reparo
em coisas que me passaram despercebidas na tela: repetição de palavras, falta de letras,
etc. Eu só sei corrigir no papel. Mas uso computador para editar textos, artigos e,
enfim, trabalhos quaisquer. Antigamente havia quem gravasse as minhas aulas e eu permitia
livremente. Depois, até se fizeram apostilas com as gravações de aulas minhas. Mas eu
nunca vi essas apostilas, nunca tive ocasião de lê-las. Sei que eram muito utilizadas.
De vez em quando, um dizia: “fiz concurso para tal cargo assim, estudei muito pelas
suas apostilas”, digo: “não me responsabilizo”, porque eu nunca as vi,
não corrigi. Elas são apócrifas. Não autorizei a elaboração dessas apostilas.
Permitia a gravação, mas não me responsabilizo pelo que saía depois. Transcreviam por
conta própria. E nunca, nunca me deram para corrigir. No Catete acontecia mais; no
Maracanã, menos.
Transparências, vídeo? Sempre achei desnecessário isso;
usava mais a voz e o diálogo. Sinceramente, nunca me convenci de que adiantasse muito
fazer projeções de slides. Na minha matéria, pelo menos. Talvez em outros assuntos isso
seja importante. Para a minha matéria, eu achava que não era. E os alunos nunca sentiram
falta também. Durante muito tempo eu dizia: “Sou artista do cast exclusivo
da UERJ”. Porque havia, naquele tempo, aquelas cantoras que eram do cast
exclusivo da Rádio Nacional, etc. Enquanto professor da UERJ, nunca dei aula em
outra faculdade. Fazia palestras, conferências, mas aula não. Era só na UERJ. E já me
davam bastante trabalho, me tomavam bastante tempo. Durante muito tempo, eu lecionei de
manhã e à noite. Não nos mesmo dias: em dias alternados. Houve um momento em que me
cansei demais de lecionar à noite. Chegava em casa entre dez e meia e onze horas,
exausto; não conseguia nem conversar com a minha mulher. Aí parei, fiquei só de manhã.
Nos últimos anos, eu só dava aulas de manhã. Nunca quis assumir cargo de direção;
não tenho queda para administração, não gosto e tenho impressão de que seria um
péssimo administrador. Nunca quis exercer cargo de direção nem na faculdade, nem no
Tribunal de Justiça.
Os meus dias, hoje, variam muito. Quando posso, caminho na
praia, em geral de manhã. Eu não costumo acordar nem muito cedo, nem muito tarde. Acordo
entre sete e oito horas. Caminho na praia, coisa que eu gosto de fazer porque o meu
trabalho profissional é sedentário: ler, escrever. Então, é necessário ter alguma
atividade física. A minha é essa, caminhar na praia. Mas a minha vida é muito simples.
Eu não freqüento sociedade, não tenho muitas atividades, a não ser essas, comuns,
normais, quotidianas. Gosto de música, gosto de ir ao cinema. Geralmente, vamos ao
cinema, minha mulher e eu, sexta-feira à tarde. De vez em quando, vamos ao teatro,
ouvimos música, assistimos a filmes na televisão. Novela não, não gosto. Não acho
graça nenhuma. Assisti a uma, chamava-se Vale Tudo, fascinado pela
interpretação da Beatriz Segall, no personagem Odete Roitman. Ela levou para a novela
uma classe, um nível, um desempenho que não são comuns. E a trama era interessante
também. Tinha muitos furos, mas era interessante. Era razoável. E ela despertava muito
interesse. Aquela me prendeu. Outras não. Hoje em dia, nem presto atenção.
O meu livro mais importante, do ponto de vista dos leitores,
é esse volume de ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, porque cuida de
uma parte muito importante na profissão, que são os recursos. Não sei se é o de que eu
gosto mais... Gosto de todos; quer dizer, não renego nenhuma das minhas obras. De vez em
quando, reúno artigos e conferências e publico um volume com os quais eu vou formando
uma série chamada Temas de Direito Processual. Já está na oitava série.
Brevemente, é provável que venha a nona série. Mas, eu não tenho propriamente
predileção por nenhum de meus livros. Já fiz noites de autógrafos em tempos idos.
Atualmente, não. Acho que saiu um pouco de moda...
A Faculdade de Direito da UERJ, para mim, significa o lugar
onde passei muitos anos agradáveis exercendo a atividade que mais satisfação me deu na
vida, o magistério. E onde também convivi com muitos colegas de excelente capacitação,
de alto nível cultural, e com os quais tive também sempre relações muito cordiais.
Não me lembro de ter tido problemas de relacionamento com colegas. Houve momentos muito
difíceis, nas décadas de 60 e 70. A faculdade da UERJ não era das mais atingidas por
aquela agitação. Mas houve momentos, sem dúvida, complicados. Eu nunca fiz comício,
porque achava que não era a hora, não era a ocasião propícia, não era o ambiente
adequado. Mas, uma vez ou outra, eu expunha o meu pensamento a respeito de acontecimentos
políticos. E um dia me advertiram: “Olhe, o senhor fala essas coisas, tem gente aí
que grava e pode complicar a sua vida, levar para os organismos repressivos”.
"Veja, eu falo tão pouco sobre política, porque não é o assunto do qual eu sou
incumbido de falar. Uma vez ou outra, eu, à propósito de algum tema jurídico, posso
fazer alguma consideração de ordem política. E aí, sou sincero, louvo o que me parece
ser louvável e critico o que me parece ser criticável”. “Ah, mas o senhor
precisa ter cuidado”, disseram, “precisa ter cuidado, porque atualmente há
muita repressão e há pessoas que se vêem envolvidas em inquéritos e coisas
semelhantes, por causa de coisas que disseram assim”. E eu disse: “Ah, é? Bem,
então, na próxima aula vou fazer o seguinte, para poupar o trabalho de quem queira
gravar palavras minhas, frases minhas: vou dizer tudo que eu acho, de uma vez só, sobre a
atual situação política, porque facilita o trabalho. A pessoa grava e já tem ali o
panorama completo das minhas opiniões sobre o que está acontecendo”. E fiz assim:
“Olhem, disseram-me que é perigoso estar, de vez em quando, emitindo opiniões
políticas. Então, para facilitar o trabalho do possível mensageiro, vou hoje, começar
a aula dizendo tudo que eu acho”. Aí, disse tudo o que eu achava e falei:
“Podem gravar”. Não sei se gravaram ou não, não reparei. Acrescentei:
“Está encerrado o assunto. Agora, vamos ao tema da aula”.
Nunca aconteceu nada. Mas, uma vez, em um discurso de
paraninfo que fiz no Teatro Municipal, estava presente um alto dirigente, acho que era do
Ministério da Justiça. E eu disse, aí sim, em um discurso de paraninfo, o que achava a
propósito do momento que estava sendo vivido pelo país. E isso foi levado a alguma
autoridade. Quando tive férias na Procuradoria do Estado, na volta, eu soube que andaram
lá investigando a minha vida funcional. Não acharam nada, não tinham o que achar,
porque eu nunca fui filiado a partido nenhum, nunca tive ligação nenhuma com terrorista
ou subversivo. Então, chegaram lá, fizeram perguntas a meu respeito e acho que a coisa
morreu por aí. Isso foi em 1972 ou 74. Os alunos do Centro acadêmico às vezes, pediam
para entrar na sala de aula e dar alguma mensagem. Raramente: a faculdade não era muito
sujeita a isso. Mas, às vezes, acontecia. E eu dizia: “Você tem dois minutos; eu
não posso abrir mão do tempo que tenho para realizar a função para a qual eu estou
sendo pago. Não digo que regiamente, mas estou sendo pago. Então, tenho de dar a minha
aula. Agora, você, em dois, três minutos, dá o seu recado e pronto”. Aí, eles
avisavam os colegas de alguma assembléia que ia haver. Mas não era muito comum. Em
certas ocasiões havia greves de funcionários, mas os alunos não costumavam aderir. As
turmas, em geral, continuavam a freqüentar a faculdade. Mesmo quando a assembléia aderia
à greve... Porque essas assembléias eram pouco representativas. Era meia dúzia de
estudantes, às vezes, nem estudantes eram, que iam lá e decidiam: “Vamos entrar em
greve”. Mas isso tinha pouca repercussão prática. Em geral, não repercutia muito
no quotidiano da faculdade; pelo menos, naquela época.
O conselho básico que eu daria a um professor é o de que
ele faça aquilo que lhe dá prazer. Se ele se propõe dar aula, só deve realizar esse
projeto, se a realização do projeto lhe for grata, lhe for agradável. Não faça nada
de que não goste, porque aquilo de que não se gosta, não se faz bem. Procure gostar de
ser professor. Só seja professor se gostar de ser professor. É esse o conselho básico.
Essa é condição essencial para que alguém possa desempenhar alguma atividade com
êxito. Procure desempenhar a função de professor com a maior seriedade possível. Mas
nunca confunda seriedade com carranca.
Eu me aposentei da UERJ em 1996. Acho muito interessante
recuperar a memória da Faculdade; não sei se, no meu caso, tive muita coisa interessante
a dizer. Mas acho que a idéia é muito boa, e tenho a certeza de que o trabalho sairá o
melhor possível."
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